quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Crônica II

-escrito por Paulo Victor Telles

Mais uma vez sentado em um banco qualquer, ele observa as pessoas… Não consegue, à primeira vista, atentar-se para os detalhes... O que observa? Tenta se concentrar em uma figura, um homem que caminha à sua frente – analisa-o atentamente, o rosto do sujeito que observa, marcado por rugas, machucado, cansado, dialoga com sua percepção dizendo: “Sou nulo, sou insignificante, mas quando passo por aqui, com esse meu olhar amarelo e vazio, sinto que consigo transformar toda esse vácuo em um acontecimento.”. E naquele momento, vê saindo dos lábios descorados e rachados do sujeito um singelo sorriso, o qual, apesar de mostrar dentes amarelados e cariados, lhe fez aflorar um sentimento aposto a repugnância que tal visão normalmente traria ao espírito.

E tomado por um susto tão violento, dá um pulo como se estivesse saindo de um estado de transe, resolvendo ir atrás daqueles beiços cujo movimento tanto o amedrontara. Aperta os passos para não perdê-lo de vista; segue o homem até o quarteirão seguinte, sendo rebentado, a cada passo, por um êxtase indescritível. Abruptamente, o outro pára. Há um congelamento no tempo. “Será que notou que está sendo seguido?” pensa o perseguidor. Esconde-se ao lado de uma pequena banca de revista. Espreita-o. Sente um alívio quando percebe que os passos retornam e o outro retoma seu caminho. Entretanto, mesmo após o sobressalto, não desiste de segui-lo. E a aproximação entre os dois acabou tornando-se cada vez mais evidente... e inevitável. O sangue já corava suas faces e o suor já escorria de todos os poros de seu corpo, o tremor das suas mãos indicava-lhe que algo dentro dele do controle fugia. Passou a temer as conseqüências daquilo tudo. Mas já estava sem forças para ter algum tipo de domínio. Tocou no ombro do homem. Este por sua vez virou seu rosto mostrando-lhe uma face sem vida cujo sorriso de onde havia saído há alguns instantes não mostrava sinais de retorno. Agarra-o desesperadamente.

- Onde está o sorriso? Onde está o sorriso? Perguntou angustiado o perseguidor.
- Me solta vagabundo ou vou chamar a polícia! Objetou o homem.
Num movimento brusco, conseguiu desgarrar-se e jogá-lo ao chão, cuspindo, por conseguinte, em seu rosto.
- E se continuar me seguindo vai se arrepender.

Sentiu, não obstante a toda situação, uma repentina homeostase tomar conta de seu corpo – os batimentos voltavam ao normal, o suor parava de jorrar, a mente aquietava-se... Era apenas mais uma ilusão, a nulidade, o vácuo... Tudo voltou a ser como antes. O acontecimento era apenas mais uma simulação. Decepcionado, embora resignado, resolve então voltar ao banco para novamente se alienar.


FIM

3 comentários:

  1. Melhorando cada vez mais, Paulo!

    Muito bom o texto, muito bom o jeito de se expressar!

    ;)

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  2. Augusto, bem legal, cara. Volto para ler maisl. Abraço do Jefhcardoso!

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  3. Parabéns Vitor. Hj não se anda mais na rua olhando as pessoas como "outras" pessoas, e sim como ameaça. Numa cidade onde um pedido de licença é retribuído com uma cara fechada, não se sabe mais como ser simpático.

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